Draft General Law on Private International Law aims to bring Brazil from the 19th into the 21st century
Guest post by Gustavo Ferraz de Campos Monaco, Full Professor of Private Internacional Law – University of São Paulo
In Brazilian law, the regulation of conflicts of laws is still based on a legislation from 1942, during a dictatorial regime, which explains its inspiration from the Italian fascist regime. The values prevailing in Brazilian society back then were quite different from those we hold today, especially in matters concerning family relationships. At that time, the family unit was viewed as having a single domicile, and questions related to the definition of parenthood were unthinkable outside traditional presumptions.
On at least two occasions over the past 83 years, attempts to draft new regulations were undertaken by leading figures in the field – Haroldo Valladão, Jacob Dolinger, and João Grandino Rodas – but both initiatives failed during the process, without the Plenary of the Legislative Houses having expressed an opinion on the merits of the projects.
In a context like this, embarking on a new attempt could easily seem discouraging from the start. However, the Secretariat for Institutional Relations, through the Council for Sustainable Economic and Social Development, linked to the Presidency of the Republic, decided in December 2024 to appoint a large commission composed of representatives from the Executive, the Judiciary, the Public Prosecutor’s Office, public and private legal professions, and the Academy. Through its Drafting Committee, this commission was entrusted with the task of preparing a new proposal.
After two public hearings, and the collection of around one hundred suggestions for improving the proposed articles, the Preliminary Draft, prepared by the appointed general rapporteurs, is now ready for analysis by the Executive Branch, which is responsible for transforming it into a Project to be submitted to the Legislative.
The proposal aims to address Private International Law in its essence, covering procedural and conflicts of laws issues. Regarding procedural matters, the Committee chose to make only minimal changes, since these provisions are already contained in the Code of Civil Procedure, enacted by Congress in 2015 and in force since 2016, less than a decade ago. In this regard, much of the proposed legislation refers back to the 2015 Code.
It is, therefore, in the field of conflicts of laws that the proposed amendments are truly innovative. With a focus on legal certainty, the text clarifies the function and scope of the main institutions of Private International Law, while updating the selected choice-of-law elements and connecting factors. It also strengthens the principle of party autonomy, giving individuals and entities greater freedom to determine the applicable law in contractual, family, and inheritance matters.
As the saying goes” self-praise is no recommendation”. Thus, the reader may wish to take any enthusiasm in this assessment with a grain of salt, as I had the honor of serving on the Drafting Committee and sharing the role of General Rapporteur with Professor Carmen Tiburcio. Still, I am convinced that one of the project’s greatest merits, should it become law, will be to bring Brazil, long anchored in 19th-century values, decisively into the 21st century. It will ensure the inclusion of Brazil’s many private actors, both in the global economic arena and within the complex web of transnational relationships, on equal terms and with wide autonomy.
As to the contents of the draft general law, there are three main chapters (after introductory and final provisions), dealing with jurisdiction and evidence, applicable law, and international cooperation in civil and commercial matters.
The longer Chapter (III) deals with conflict of laws. It starts by addressing general questions such as characterization or public policy, also adding a rule invested rights and a general escape clause. Then, special conflicts rules are to be found namely on personal and family law, including maintenance and successions, as well as rights in rem, intellectual property, and companies. Contracts are dealt with in several rules, where – unlike in the previous law, currently in force – it is made clear that choice of law by the parties is accepted, “except in cases of abuse”. Special contracts, such as the ones concluded with consumers and workers, benefit from rules favorable to the weaker party.
Readers may find below the full content of the draft (in Portuguese).
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PROJETO DE LEI
Dispõe sobre as relações e as situações jurídicas com elementos estrangeiros.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
CAPÍTULO I
DO ÂMBITO DE INCIDÊNCIA
Objeto e âmbito de aplicação
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre as relações e as situações jurídicas com elementos estrangeiros.
Prevalência dos tratados
Art. 2º As relações e as situações jurídicas que apresentem vínculos com mais de um ordenamento jurídico serão regidas pelo disposto nesta Lei e pelas demais normas de direito internacional privado de fonte nacional, observada a prevalência das disposições contidas em tratados de que a República Federativa do Brasil seja parte.
Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, as autoridades brasileiras competentes poderão considerar, como meio de sua interpretação e integração, instrumentos normativos não vinculantes, como princípios compilados ou guias de boas práticas, elaborados por organismos internacionais.
CAPÍTULO II
DA JURISDIÇÃO E DA PROVA EM MATÉRIA INTERNACIONAL
Limites da jurisdição
Art. 3º A autoridade judiciária brasileira terá jurisdição nas hipóteses previstas na lei processual e nos tratados de que a República Federativa do Brasil seja parte.
- 1º As autoridades judiciárias brasileiras terão jurisdição para conhecer e julgar medidas de urgência quando tiverem jurisdição para a ação principal ou quando tais medidas forem necessárias à preservação de situações ou direitos a serem exercidos no País, ainda que a ação principal tenha sido ou venha a ser proposta perante jurisdição estrangeira.
- 2º As autoridades brasileiras, nas hipóteses em que detenham jurisdição, estarão autorizadas, mediante requerimento da parte, a decidir sobre questões relativas a bens móveis ou imóveis situados no exterior e a proceder à partilha de bens do casal ou do autor da sucessão hereditária desses bens, desde que inexista jurisdição exclusiva das autoridades estrangeiras.
- 3º Caso a autoridade judiciária brasileira não possua jurisdição nos termos da lei processual ou dos tratados de que a República Federativa do Brasil seja parte, a demanda poderá ser excepcionalmente proposta, desde que:
I – a situação tenha conexão suficiente com a jurisdição brasileira; e
II – a propositura ou a condução da demanda perante autoridade estrangeira com a qual possua vínculos estreitos revele-se impossível.
Escolha de jurisdição
Art. 4º A escolha inequívoca de jurisdição nacional ou estrangeira em contratos internacionais não dependerá de vinculação prévia com a jurisdição eleita, nem exigirá a indicação das razões que a justifiquem.
- 1º O direito do local de celebração do contrato ou do domicílio de quaisquer das partes, ou, ainda, da jurisdição eleita, será aplicado à validade formal da escolha, e o direito da jurisdição eleita será aplicado à validade substancial.
- 2º A escolha de jurisdição estrangeira será inválida quando a disputa se enquadrar em hipótese de jurisdição exclusiva da autoridade judiciária brasileira, observado o disposto na lei processual e nos tratados de que a República Federativa do Brasil seja parte.
- 3º A invalidade do negócio jurídico principal não comprometerá, necessariamente, a validade da escolha de jurisdição nele contida.
- 4º A cláusula atributiva de jurisdição não será oponível a terceiros.
- 5º A escolha de jurisdição será transferida conjuntamente com os direitos na hipótese de cessão de crédito, sub-rogação, transmissão patrimonial ou cessão da posição contratual.
- 6º Em contratos internacionais de consumo, a escolha de jurisdição será ineficaz, exceto se o consumidor for o autor da demanda ou se suscitar, como réu, a ausência de jurisdição da autoridade judiciária brasileira.
Produção de provas
Art. 5º A forma de produção de provas, judiciais ou extrajudiciais, observará o direito do foro responsável por sua colheita.
- 1º As provas colhidas no País obedecerão ao direito brasileiro, admitida a observância às formalidades e aos procedimentos especiais adicionais a pedido da autoridade judiciária estrangeira, desde que compatíveis com a ordem pública internacional brasileira.
- 2º As provas colhidas no exterior por meios não admitidos no direito brasileiro poderão ser utilizadas em processos em trâmite no País, desde que compatíveis com a ordem pública internacional brasileira.
- 3º A admissibilidade da prova e o ônus de sua produção serão regidos pelo direito aplicável ao mérito da demanda.
- 4º A valoração da prova será efetuada de acordo com as regras vigentes no foro competente para a análise do mérito.
- 5º Serão admissíveis, no País, as provas emprestadas de natureza civil e comercial produzidas em processos judiciais ou extrajudiciais em trâmite perante foro estrangeiro, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.
- 6º Poderão ser utilizados recursos compatíveis para a compreensão de documentos em língua estrangeira, se:
I – o documento for produzido por pessoa beneficiária de assistência judiciária gratuita; e
II – a demora na apresentação da versão juramentada comprometer a efetividade da prestação jurisdicional.
- 7º A testemunha a ser ouvida no País poderá recusar-se a depor quando amparada por prerrogativa legal prevista no direito brasileiro, no direito do Estado requerente ou no direito aplicável ao mérito da causa.
CAPÍTULO III
DA DETERMINAÇÃO DO DIREITO APLICÁVEL
Seção I
Dos princípios e da aplicação do direito estrangeiro
Qualificação
Art. 6º A qualificação destinada à determinação do direito aplicável será feita de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro.
Parágrafo único. Estabelecido o direito aplicável, este determinará a natureza jurídica da relação ou situação jurídica para fins de aplicação das normas aos fatos.
Questões prévias e questões incidentais
Art. 7º As questões prévias e as questões incidentais serão reguladas pelo direito aplicável a cada uma delas, observadas as normas de direito internacional privado brasileiro.
Reenvio
Art. 8º Quando o direito internacional privado brasileiro determinar a aplicação do direito estrangeiro, será considerado apenas o direito material estrangeiro, exceto se as partes determinarem em sentido contrário, expressamente, por escrito.
Fraude à lei
Art. 9º Para fins de aplicação das regras de conflito, são ineficazes as situações de fato ou de direito simuladas com o intuito de evitar a aplicação do direito que seria aplicável caso não tivesse havido a simulação.
Instituição desconhecida
Art. 10. Caso o direito estrangeiro indicado pelas regras de direito internacional privado brasileiro contiver instituição que não encontre correspondência direta no direito brasileiro, a autoridade judiciária, ainda assim, aplicará o direito estrangeiro, desde que sua incidência não contrarie a ordem pública internacional brasileira.
- 1º Caso o direito estrangeiro desconheça a instituição pretendida pelas partes, a autoridade judiciária brasileira deverá identificar instituição análoga naquele direito.
- 2º Na hipótese de impossibilidade de aplicação por analogia, a autoridade judiciária brasileira deverá aplicar o direito nacional.
Ordem pública
Art. 11. As leis, os atos públicos e os privados, e as decisões judiciais ou extrajudiciais de outro Estado não terão eficácia na República Federativa do Brasil quando sua incidência produzir resultados potencialmente contrários à ordem pública internacional brasileira.
Parágrafo único. Será considerada contrária à ordem pública internacional brasileira, sem prejuízo de outras situações assemelhadas, a norma estrangeira que importe violação grave a princípios fundamentais consagrados pela Constituição ou por tratados internacionais de direitos humanos ratificados pela República Federativa do Brasil, especialmente em situações de discriminação baseada em raça, gênero, etnia, orientação sexual, nacionalidade, deficiência ou pertencimento a povos e comunidades tradicionais.
Direitos adquiridos em outras ordens jurídicas
Art. 12. Os direitos adquiridos no exterior em conformidade com direito estrangeiro terão eficácia na República Federativa do Brasil, exceto se produzirem resultado gravemente contrário à ordem pública internacional brasileira.
Aplicação do direito estrangeiro
Art. 13. O direito estrangeiro indicado pelo direito internacional privado brasileiro será aplicado de ofício pelas autoridades judiciais ou extrajudiciais brasileiras.
- 1º A aplicação e a interpretação do direito estrangeiro serão feitas em conformidade com o ordenamento a que pertencem.
- 2º A autoridade judiciária poderá determinar à parte interessada na aplicação do direito estrangeiro que comprove seu teor, sua vigência e seu sentido.
- 3º A autoridade judiciária deverá facultar à parte contrária, em prazo idêntico ao da parte interessada, a possibilidade de colaborar na formação de seu convencimento quanto ao sentido do direito estrangeiro aplicável.
- 4º Em matéria de cooperação jurídica internacional, as informações sobre o direito estrangeiro poderão ser obtidas por meio da atuação das autoridades administrativas ou das autoridades judiciais brasileiras com seus congêneres.
Meio de prova do direito estrangeiro
Art. 14. A prova ou a contraprova do teor, da vigência e do sentido do direito estrangeiro será feita por qualquer meio idôneo, preferencialmente por mecanismos públicos oficiais disponibilizados pelo Estado de cujo direito se trata.
Parágrafo único. Se o Estado estrangeiro não dispuser de mecanismos públicos oficiais para a comprovação do teor, da vigência e do sentido da norma a ser aplicada, a prova poderá ser feita pela juntada de opinião legal firmada por advogado habilitado naquele Estado.
Ordenamento jurídico plurilegislativo
Art. 15. Caso o direito internacional privado brasileiro determine a incidência de ordenamento jurídico plurilegislativo, serão observadas as disposições estabelecidas pelo direito desse Estado quanto à definição da legislação aplicável.
Parágrafo único. Se não houver, no ordenamento jurídico do Estado a que se refere o caput, disposição quanto à definição da legislação aplicável, o juiz brasileiro deverá aplicar aquela que possuir conexão mais estreita com o caso concreto.
Cláusula de exceção
Art. 16. Em situações excepcionais, o direito indicado por esta Lei não será aplicável se, considerado o conjunto das circunstâncias, for evidente que o caso concreto possui conexão frágil com esse direito e manifestamente mais estreita com o direito de outro Estado.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica na hipótese de o direito a ser aplicado ter sido indicado pelas partes.
Seção II
Das regras de conflito
Estatuto pessoal
Art. 17. A capacidade e os direitos da personalidade serão regidos pelo direito do domicílio da pessoa física.
- 1º Na ausência de domicílio estabelecido ou na impossibilidade de sua identificação, serão aplicados, sucessivamente, o direito da residência habitual e o direito da residência atual.
- 2º Na hipótese de múltiplos domicílios, a autoridade brasileira competente deverá aplicar o direito do domicílio com maiores vínculos com a questão em julgamento.
- 3º As crianças, os adolescentes e as demais pessoas com incapacidade civil serão regidos pelo direito do domicílio de seus pais ou responsáveis.
- 4º Na hipótese de a criança, o adolescente ou a pessoa incapaz ter domicílio diverso de seus pais ou responsáveis, regerá o direito que resulte em seu melhor interesse, dentre os direitos da nacionalidade, do domicílio ou da residência habitual de quaisquer dos envolvidos.
Relações familiares
Art. 18. As relações familiares serão regidas pelo direito do domicílio comum dos membros da família.
- 1º Na hipótese de inexistência de domicílio comum, será aplicado o direito estabelecido previamente pelas partes em documento escrito.
- 2º Na hipótese de inexistência de documento escrito, será aplicado o direito do último domicílio comum das partes.
- 3º Caso nunca tenha existido domicílio comum ou seja impossível a sua identificação, será aplicado o direito brasileiro.
Casamento
Art. 19. A forma, a existência e a validade do casamento serão regidas pelo direito do local em que for celebrado.
- 1º A capacidade matrimonial de cada um dos nubentes será regida pelo direito do local do seu domicílio, nos termos do disposto no art. 17.
- 2º Os casamentos de brasileiros ou estrangeiros celebrados perante autoridade estrangeira poderão ser levados a registro no País, hipótese em que será expedida a certidão de casamento para fins eminentemente probatórios.
- 3º O casamento entre brasileiros no exterior poderá ser celebrado perante a autoridade consular brasileira.
- 4º O casamento entre estrangeiros da mesma nacionalidade poderá ser celebrado no País perante a autoridade diplomática ou consular respectiva.
Regime matrimonial de bens
Art. 20. O regime de bens entre os cônjuges será determinado pelo regime indicado no registro de casamento, cuja certidão será emitida pela autoridade competente do local em que for celebrado.
- 1º Na ausência de indicação do regime na certidão, este será determinado por convenção das partes por meio de pacto antenupcial válido, celebrado de acordo com os requisitos de forma e de substância do local em que for celebrado.
- 2º Na ausência de indicação do regime na certidão e de convenção das partes, o regime será determinado pelo direito do domicílio dos nubentes no momento da celebração do casamento.
- 3º Na hipótese de o domicílio dos nubentes ser distinto, o regime será determinado pelo direito do primeiro domicílio conjugal.
- 4º Os cônjuges que transferirem seu domicílio para a República Federativa do Brasil poderão adotar, na forma e nas condições da lei civil brasileira, resguardados os interesses de terceiros, quaisquer dos regimes de bens admitidos no País.
Uniões estáveis ou entidades equivalentes de direito estrangeiro
Art. 21. O disposto nos art. 18 a 20 aplica-se às uniões estáveis ou às entidades equivalentes de direito estrangeiro, com as devidas adaptações à natureza das convivências.
Filiação
Art. 22. Nas ações referentes à constituição ou desconstituição de relações de filiação, o juiz aplicará, dentre os direitos dos domicílios das partes, aquele que se mostrar mais favorável à parte vulnerável.
Obrigações alimentares
Art. 23. As obrigações alimentares, a qualidade de credor e a qualidade de devedor de alimentos serão reguladas pelo direito mais favorável ao credor, dentre os direitos da nacionalidade, do domicílio ou da residência habitual de quaisquer dos envolvidos.
Sucessões
Art. 24. A sucessão por morte ou ausência será regida pelo direito do Estado do domicílio do falecido à data do óbito ou do ausente à data da ausência, independentemente da natureza e da situação dos bens.
- 1º O autor da sucessão hereditária poderá optar para regência de sua sucessão, em testamento ou termo declaratório firmado diretamente no registro civil e averbado, pelo direito de quaisquer de seus domicílios ou de quaisquer de suas nacionalidades.
- 2º A sucessão de bens de pessoas domiciliadas no exterior será regulada pela lei brasileira em benefício do herdeiro necessário brasileiro ou domiciliado no País, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.
- 3º Os testamentos serão válidos quando observarem as formalidades previstas no direito do local de sua celebração ou do domicílio do testador, ou, ainda, de sua nacionalidade.
- 4º Será aplicado o direito que rege a sucessão quanto ao conteúdo material das disposições testamentárias.
Bens e direitos reais
Art. 25. Os bens imóveis, os bens móveis corpóreos, os direitos reais a eles relativos e a posse serão regidos pelo direito do local em que estiverem situados.
Parágrafo único. Os bens móveis que o proprietário trouxer consigo e os direitos reais a eles relativos serão regidos pelo direito do domicílio de seu proprietário.
Embarcações, aeronaves e carregamentos
Art. 26. As embarcações e as aeronaves que estejam em águas ou espaços não jurisdicionais reputam-se situadas no local de matrícula, enquanto o carregamento que nelas se encontre reputa-se situado no local de destino efetivo das mercadorias, exceto se as partes escolherem de forma diversa.
Direitos de propriedade intelectual
Art. 27. Os direitos patrimoniais de autor serão determinados pelo direito do local de sua publicação ou veiculação.
- 1º Os direitos de propriedade industrial registrados no País ou, quando ainda não registrados, cujo registro tenha sido solicitado perante as autoridades brasileiras, serão regidos pela lei brasileira, ressalvadas as hipóteses previstas em lei especial.
- 2º As obrigações decorrentes da prática da concorrência desleal ou da violação do segredo industrial serão regidas pelo direito do local em que o dano for verificado.
Forma de atos e negócios jurídicos
Art. 28. Os atos e os negócios jurídicos respeitarão as formalidades previstas no direito do local de sua celebração, ou do domicílio de quaisquer das partes ou do local de sua execução, ou, ainda, do direito aplicável ao mérito da situação ou da relação jurídica.
Parágrafo único. Os atos e os negócios jurídicos entre ausentes poderão ser firmados isoladamente, hipótese em que poderão ser utilizados meios eletrônicos para sua comprovação.
Obrigações contratuais
Art. 29. Exceto se houver abuso, as obrigações decorrentes de contratos internacionais serão regidas pelo direito escolhido pelas partes.
- 1º A escolha do direito poderá ser:
I – expressa ou tácita, desde que inequívoca; e
II – alterada a qualquer tempo, respeitados os direitos de terceiros.
- 2º A escolha do direito pelas partes não afasta a incidência de normas de aplicação necessária e imediata do direito brasileiro.
- 3º Consideram-se normas de aplicação necessária e imediata aquelas cujo respeito é considerado tão fundamental para a salvaguarda do interesse público nacional, incluída a organização política, social ou econômica nacional, e cuja observância é exigida em qualquer situação abrangida por seu âmbito de incidência, independentemente do direito que, de outro modo, seria aplicável ao contrato por força do disposto nesta Lei.
- 4º As autoridades brasileiras competentes poderão aplicar os usos e os princípios do comércio internacional compilados por organismos internacionais intergovernamentais ou entidades privadas, quando incorporados ao contrato por vontade das partes, desde que não contrariem normas cogentes do direito escolhido pelas partes ou, em sua ausência, do direito indicado nesta Lei.
- 5º A escolha de jurisdição não implicará, por si só, a escolha de direito aplicável coincidente.
- 6º Na hipótese de não haver escolha, as obrigações contratuais e os atos jurídicos em geral serão regidos pelo direito do local em que forem celebrados.
- 7º Os contratos celebrados a distância serão regidos pelo direito do domicílio do proponente da oferta aceita, exceto se as partes escolherem de modo diverso.
- 8º O disposto no § 7º aplica-se aos contratos celebrados, de modo síncrono, por meio eletrônico.
- 9º As partes poderão escolher o direito aplicável à totalidade ou apenas à parte do contrato, hipótese em que será permitida a designação de diferentes direitos para a regência de partes específicas do contrato.
Contratos de trabalho
Art. 30. Exceto se houver abuso, os contratos individuais de trabalho serão regidos pelo direito escolhido pelas partes.
- 1º Na hipótese de não haver escolha, aplica-se o direito mais favorável ao trabalhador, dentre os referentes ao:
I – local de prestação de sua atividade laboral;
II – domicílio do trabalhador;
III – domicílio ou do estabelecimento do empregador, conforme o caso; ou
IV – local de celebração do pré-contrato, quando houver.
- 2º Caberá ao trabalhador indicar, na petição inicial da ação trabalhista proposta perante a jurisdição brasileira, o ordenamento que pretende que seja aplicado pelo juízo; em caso de omissão, o juiz poderá presumir que a legislação brasileira é a mais favorável.
- 3º Em qualquer hipótese, o direito aplicável regerá todos os aspectos do contrato de trabalho.
Contratos de consumo
Art. 31. Os contratos internacionais de consumo, entendidos como aqueles realizados entre consumidor, pessoa física, com fornecedor de produtos e serviços, cujo domicílio ou estabelecimento envolvido na contratação esteja situado em Estado distinto do domicílio do consumidor, serão regidos pelo direito do domicílio do consumidor ou do local em que forem celebrados, desde que mais favorável ao consumidor.
- 1º Nas contratações a distância realizadas por meios eletrônicos ou similares pelos consumidores domiciliados no País, sem sair do território nacional, será aplicado o direito brasileiro ou o direito escolhido pelas partes em contrato, desde que seja mais favorável ao consumidor.
- 2º Aos contratos de fornecimento de produtos e serviços que forem celebrados pelo consumidor que estiver fora de seu Estado de domicílio ou de residência habitual e forem executados integralmente no exterior, será aplicado o direito do local em que forem celebrados ou o direito escolhido pelas partes, dentre o do local da execução ou do domicílio do consumidor.
- 3º Os contratos de pacotes de viagens internacionais, com grupos turísticos ou com serviços de hotelaria e turismo, ou de viagens combinadas com transporte e mais de um serviço, com cumprimento fora do País, que forem contratados com agências de turismo e operadoras situadas no País, serão regidos pelo direito brasileiro.
- 4º Aos contratos celebrados no País, em especial se forem precedidos de qualquer atividade negocial ou de propaganda, do fornecedor ou de seus representantes, dirigida ao ou realizada no território brasileiro, notadamente envio de publicidade, correspondência, e-mails, mensagens comerciais, convites, prêmios ou ofertas, serão aplicadas as disposições do direito brasileiro quando revestirem caráter imperativo, sempre que forem mais favoráveis ao consumidor.
Obrigações por atos ilícitos
Art. 32. As obrigações resultantes de atos ilícitos serão regidas pelo direito do local em que o dano for verificado.
Parágrafo único. Na hipótese de o dano ocorrer em múltiplos locais, o juiz brasileiro poderá, no exercício de sua jurisdição, aferir os danos verificados em outros Estados e determinar a sua reparação integral, hipótese em que se aplicam os direitos de cada Estado para quantificar o montante devido.
Pessoas jurídicas
Art. 33. As pessoas jurídicas serão regidas pelo direito do Estado em que tiverem sido constituídas.
- 1º Para funcionar no País, por meio de quaisquer estabelecimentos, as pessoas jurídicas estrangeiras deverão obter a autorização que se fizer necessária, e ficarão sujeitas ao direito e à jurisdição brasileiros.
- 2º O disposto no § 1º não se aplica à prática de atos esporádicos ou sem a intenção de habitualidade.
- 3º Os acordos de acionistas e os acordos parassociais referentes a empresas brasileiras serão regidos pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Ações e valores mobiliários
Art. 34. As ações e os valores mobiliários serão regidos pelo direito do local de constituição da pessoa jurídica que os tiver emitido.
Parágrafo único. As obrigações pecuniárias constantes de debêntures ou outros valores mobiliários representativos de dívida emitidos no exterior, caso tenha havido escolha pelas partes, poderão ser regidas pelo direito do local da emissão, respeitados os requisitos de registro previstos no local de constituição da pessoa jurídica que os tiver emitido.
Prescrição e decadência
Art. 35. A prescrição e a decadência serão regidas pelo direito aplicável ao mérito do litígio.
Aquisição de imóveis por pessoas jurídicas de direito público externo
Art. 36. As pessoas jurídicas de direito público externo e as entidades de qualquer natureza por elas constituídas ou dirigidas não poderão adquirir no País bens suscetíveis de desapropriação ou direitos reais a eles relativos.
- 1º Com base no princípio da reciprocidade e mediante concordância prévia e expressa do Governo brasileiro, os Estados estrangeiros poderão adquirir os prédios urbanos destinados às chancelarias de suas missões diplomáticas e repartições consulares de carreira, além daqueles que servirem como residências oficiais de seus representantes diplomáticos e agentes consulares nas cidades das respectivas sedes.
- 2º As organizações internacionais intergovernamentais sediadas no País ou nele representadas poderão adquirir, mediante concordância prévia e expressa do Governo brasileiro, os prédios destinados aos seus escritórios e às residências de seus representantes e funcionários nas cidades das respectivas sedes, nos termos estabelecidos nos acordos pertinentes.
CAPÍTULO IV
DA COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL
Cooperação jurídica internacional
Art. 37. A cooperação jurídica internacional em matéria civil e comercial deverá ser prestigiada e poderá se valer de qualquer meio em direito admitido, nos termos dos tratados em vigor na República Federativa do Brasil e dos direitos dos Estados envolvidos, inclusive quanto ao uso de mecanismos tecnológicos e comunicação direta entre as autoridades, desde que não ofendam a ordem pública internacional brasileira.
Homologação de decisão estrangeira
Art. 38. As decisões oriundas de Estado estrangeiro que, no País, demandem a intervenção indispensável do Poder Judiciário, observarão, para sua homologação, o disposto na legislação brasileira, nos tratados em vigor na República Federativa do Brasil e, quando aplicáveis, no regimento interno do Superior Tribunal de Justiça.
- 1º As decisões estrangeiras de natureza meramente declaratória produzirão efeitos no País independentemente de homologação, desde que não contrariem gravemente a ordem pública internacional brasileira.
- 2º O disposto no § 1º não se aplica às decisões que impliquem no cumprimento de obrigação de dar, fazer ou não fazer.
Medidas de urgência em homologação
Art. 39. A autoridade judiciária brasileira poderá deferir pedidos de urgência e realizar atos de execução provisória no processo de homologação de decisão estrangeira, observadas as disposições da legislação brasileira, dos tratados em vigor na República Federativa do Brasil e, quando aplicáveis, do regimento interno do Superior Tribunal de Justiça.
Demais atos de cooperação
Art. 40. Os demais atos de cooperação jurídica internacional, tais como as cartas rogatórias e os pedidos de auxílio direto, obedecerão às disposições da legislação brasileira, dos tratados em vigor na República Federativa do Brasil e, quando aplicáveis, do regimento interno do Superior Tribunal de Justiça.
CAPÍTULO V
DISPOSIÇÕES FINAIS
Revogação
Art. 41. Ficam revogados os art. 7º a art. 19 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942.
Vigência
Art. 42. Esta Lei entra em vigor cento e oitenta dias após a data de sua publicação.
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